Coda



Estou afundando.
Não consigo enxergar direito, vejo apenas a luz do sol que incide na água, fazendo as pequenas gotículas de ar reluzirem. Estou cada vez mais deslizando para o fundo, para a escuridão, para longe da luz. Tudo que ouço é o barulho do mar, abafado e distante. Tento respirar, mas não encontro ar para meus pulmões. Vou cada vez mais baixo, mais profundo, mais escuro... A luz fica cada vez mais longe. Meu coração tenta inutilmente bombear sangue quente para meu corpo gélido, mas não funciona direito. Todo meu corpo tenta por uma última vez, num ato tolo de desespero, me fazer viver.
Alguma força desconhecida me puxa para baixo, como se tivesse um peso em meu peito. Como um ser prestes a morrer, meu peito dá seu último suspiro, cansado de se debater e com um desejo mórbido de desistir. Sem mais querer resistir, me rendo ao cansaço do meu corpo, com fios de cabelo entrecortando minha visão do último resquício de luz. Não luto mais. Não tento mais subir. Agora apenas afundo, cada vez mais rápida e graciosamente, deixo o mar me puxar para suas entranhas. Agora a luz é apenas um ponto brilhante e tênue, ao longe, que mal consigo ver. Com olhos cansados, encaro o pequeno brilho distante com apenas um vestígio de desejo, um desejo esquecido. Meu corpo inteiro fica mais leve e meus olhos piscam lentamente até se fecharem por completo e o brilho desaparecer.
Sinto a água roçar em minha pele cada vez menos sensível, brincar com meus cabelos os levando de um lado para o outro, como numa dança suave e graciosa. Então ouço algo ao longe. Abro meus olhos com o susto repentino e o brilho distante continua lá. O som está longe e abafado, mas está lá. Era um som doce, quente, melódico e suave. Acariciava os ouvidos, dançando graciosamente entre as notas, cheio de ternura e sutileza. Um som delicado, que transbordava harmonia e serenidade. A esperança em meio ao caos.
A vida em meio à morte.
Era o som da vida.
Com todos meus sentidos desvanecendo aos poucos, o som residia em meu corpo como o último sinal de vida ali. Estava perto, tão perto... Parecia estar bem ao meu lado. Não, não ao meu lado, em mim. Como uma grande onda, invadiu minha alma preenchendo tudo que estava vazio, ocupando todos meus sentidos, pensamentos e sentimentos. Não pude pensar, apenas sentir. Meu corpo vibrava, e o som melódico e doce ativou algum vestígio da ânsia pela vida.
Então, junto com uma batida rítmica da melodia, meu coração pulsou novamente. De alguma maneira, meu corpo puxou o calor da fogueira que habitava em meu interior, acesa pela música. Sangue quente bombeava para meu corpo e meus sentidos voltavam, mas apenas acrescentavam ao invés de tomar o lugar da música. A música agora estava em minha pele, em meus olhos, em minha mente, em meu sangue, correndo por todo o meu ser. Então, subitamente meu peito se inflou, trazendo uma lufada de ar para meus pulmões insípidos e meus olhos se abriram por completo. Meu corpo continuava leve, mas não afundava mais. Na verdade, agora eu era puxada para cima, lenta e suavemente. A luz brilhante ficava cada vez mais brilhante e a escuridão soltava suas garras de meu corpo. A música corria em minhas veias, fazendo meu corpo emanar vida. Emanar vida e música, pois eu já não mais sabia distinguir as duas.
A luz ficou cada vez mais próxima e mais quente e mais brilhante e perto, tão perto... Meu corpo irrompeu pela água, banhado pela harmoniosa e delicada luz solar. A luz era quente e serena. Viva novamente. Não por causa do ar, ou do sangue ou do calor. Mas por causa da música carregada de esperança. Apenas por causa da música, o toque mais sutil da vida e sua tentativa final de perdurar...


                                                            Escritor Anônimo  17/02/2017

Comentários

  1. Mesmo que essa força estranha tentar te afundar e não deixar voce passar e fazer voce perder o caminho e voce não poder brilhar, lembre se a vida é arte voce tem que continuar e vai conseguir chegar lá

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  2. A água te preenche os pulmões, te sufoca, te incapacita de ser ágil. Esse algo te afunda, te puxa, e inevitavelmente você vai afogar. Mesmo que lentamente.

    Mesmo que, nos últimos segundos de vida, num último acesso de arrependimento, no último arfar, você queira voltar atrás - não há saídas. Não há um botão vermelho escrito "voltar" quando você se permite afundar tão profundamente. É mais difícil buscar o ar.

    Por isso, se esperneie. Já. Agora. Bata seus braços o máximo que puder, mesmo que isto lhe faça cansar. Lute, antes que seja tarde demais. Lute imediatamente. Antes que tudo acabe num último suspiro. E, quando alcançar a superfície, vai perceber que valeu a pena.

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